sexta-feira, 18 de junho de 2010

CUIDADO, PRESERVAÇÃO E VISIBILIDADE: FALTA CARINHO COM A ARQUITETURA CARIOCA

Arquiteto carioca reflete a respeito de
como o Rio de Janeiro trata sua arquitetura

Ando pela cidade e me questiono se valorizamos nossa arquitetura. O patrimônio histórico não tem a atenção exigida para a sua preservação. O mercado imobiliário se apropria da cidade de maneira voraz e sem alarde dos arquitetos. E o carioca parece sempre estar em processo de mutação, transformando o ambiente construído sem planejamento e supervisão daqueles que estudaram para tal tarefa. Aliás, o papel do arquiteto é desmerecido, salvo as exceções daqueles cultuados nas rodas elitistas que projetam casas luxuosas.

Não consideramos o fato de que arquitetura espelha a história de uma cidade a partir da evolução dos processos construtivos, equipamentos utilizados e formas de expressão. Daí surge à questão: Por que preservar? E, além disso, numa cidade de tecido orgânico e sem êxito nos seus vários planos, onde fica a arquitetura como fenômeno cultural?

Recentemente pudemos ver nos principais jornais as luzes mais vibrantes da Cinelândia com o retorno do revigorado Teatro Municipal, com seus detalhes impecavelmente restaurados. Uma construção de charme e beleza numa época em que o objetivo era fazer do Rio uma ‘Paris dos Trópicos’. Fico extremamente feliz com a recuperação do Municipal porque estamos transmitindo a importância de preservar um bem que é de todos os cidadãos do Rio, e também daqueles que aqui chegam para nos visitar.

Mas daí eu volto para as ruas, paro e penso: não enxergamos a cidade. Um conjunto de ruas e avenidas e imensos blocos vazios, imperceptíveis. Temos um belo acervo da cidade apodrecendo e caindo sobre nossas cabeças. O assunto não é discutido nas mídias. Só escutamos algo nos noticiários quando um sobrado já desabou e não houve tempo de recuperar nada. Vivemos a perda e não tentamos garantir a preservação

É como se tivéssemos sido engolidos pela rotina do tempo acelerado de tal forma que não nos preocupamos com nada que não diga respeito com aquilo que é privado, aquilo que é meu, o que eu comprei, com a minha casa murada, com as grades que me isolam do outro. Triste cidade que esmorece a cada dia porque deixamos de encará-la. Vislumbramos o natural belo e sedutor. Esquecemos ou ignoramos o patrimônio construído. Ignoramos o significado da palavra ‘público’. Vivemos apenas a esfera do ‘particular’ e esquecemos que as várias esferas particulares formam um grande ‘público’.

Iniciativas como a do Municipal deveriam ser iniciativas corriqueiras, deveriam ser parte do nosso cotidiano, assim como o cuidado com cada sobrado, cada detalhe, cada anjo adornando fachadas, cada entalhe em portas e janelas. A retomada das Associações de moradores contra a entrada voraz do mercado imobiliário na Zona Sul, os comerciantes do Centro se concentrando em novas ações de preservação e ampliando diálogo com as autoridades da região e uma mobilização de todos para que voltemos nossos olhos para o subúrbio, que é tão rico em formas e cores como o resto da cidade. Precisamos de ação para resgatar a arquitetura esquecida. Falta carinho para com o Rio. Busco reflexões. Não tenho todas as respostas. Mas acredito em mudanças.

Fernando Machado - Arquiteto e Urbanista

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